Chernobyl: porque a censura e a rede de mentiras pode ser tão perigosa.
Chernobyl: porque a censura e a rede de mentiras pode ser tão perigosa.
Não se pode negar que Chernobyl foi uma das maiores tragédias da história, com as consequências da explosão repercutindo até hoje por conta da radiação, afetando as vidas das pessoas do local e de regiões próximas, além do próprio ecossistema. Mas o mais assustador deste desastre, ou tão assustador quanto a radiação em si, foi a negação e a omissão dos fatos do acontecimento pelo governo soviético.
É ainda mais triste pensar no que poderia ter sido evitado se as informações e o esclarecimento dos fatos estivessem disponíveis para todos, mas podemos levar esse acontecimento como uma lição.
Em 26 de abril de 1986, às 1h 23 minutos de 58 segundos da manhã, uma explosão destruiu um dos reatores nucleares da Central Elétrica Atômica de Chernobyl. Além do impacto da explosão, havia outro fator bem mais preocupante: o material radioativo do reator estava em chamas, liberando nuvens extremamente tóxicas. A chama ardeu por aproximadamente 10 dias, e a nuvem tóxica atingiu e contaminou cerca de três quartos do continente europeu.
No entanto, a primeira reação do governo foi negar o acidente. Dentro do próprio escalão governamental, os superiores não sabiam da gravidade do problema, acreditando que o reator estivesse intacto. O próprio Mikhail Gorbachev, líder da URSS, só foi saber da explosão quatro horas depois. Isso foi letal para boa parte dos habitantes da cidade de Pripyat, que desconheciam os fatos tanto quanto o governo, ignorantes de que estavam sendo contaminados por altos níveis de radiação.
Além da demora de reconhecer os fatos, culminando no atraso da tomada de decisões mais efetivas, o governo soviético optou por esconder a tragédia para as mídias internacionais e minimizar a gravidade da situação, as informações para a imprensa e a população local foram censuradas. Por mais que houvesse pessoas conscientes da situação e da ação certa a se tomar, não tinham a liberdade para tal.
Importante lembrar que na época, a explosão de Chernobyl ocorreu em plena Guerra Fria, momento de tensão geopolítica entre a União Soviética e os Estados Unidos. Mesmo não ocorrendo conflitos físicos entre as duas nações (por isso é chamada de “fria”), o conflito ideológico provocava competição pela supremacia tecnológica (é daí que vem a famosa corrida ao espaço). Imagine a “vergonha” para a nação soviética, se seus inimigos soubessem do erro que foi a explosão nuclear de Chernobyl.
A explosão e a rede de mentiras e censuras resultaram no maior acidente nuclear da história, com a morte imediata de 31 pessoas que trabalhavam nas usinas, na contaminação e morte de 134 militares e bombeiros, além da contaminação por radiação e o aumento da taxa de câncer da população de Pripyat, e de populações próximas. É inevitável pensar, como comunicadora e filha de jornalistas, como a situação poderia ser diferente, se não houvesse o acobertamento de informações e a censura à imprensa. É claro que estávamos falando de um período no qual ocorria um regime ditatorial comunista, em que todos os meios de informações eram controlados, mas é aí que está o problema. A liberdade de imprensa é essencial, pois, além da descoberta e averiguação dos fatos, a imprensa tem como valor a comunicação informativa para o público: ela expõe os fatos, estimula a formação de vários pontos de vista e promove o debate. O trabalho de um jornalista é, acima de tudo, a busca pelos fatos e a defesa da liberdade à informação e à expressão. Imagine quantas vidas poderiam ter sido salvas se o desastre tivesse sido descoberto e divulgado pela mídia, conscientizando a população dos perigos que corriam.
É por isso que hoje, no dia da Liberdade de Imprensa, fiz essa reflexão e quis recomendar o livro “Vozes de Chernobyl: a história oral do desastre nuclear”, escrito por Svetlana Aleksiévitch, que com um dever histórico e jornalístico, ouviu e escreveu os depoimentos das pessoas envolvidas na tragédia. Não estamos passando por um acidente nuclear, mas temos um inimigo invisível, assim como a radiação: o coronavírus. É um momento no qual a liberdade de imprensa e a divulgação de informações são de extrema importância. Temos muita, muita, sorte por ter essa liberdade. É por isso também que devemos lutar por ela e outros direitos democráticos.